terça-feira, 6 de abril de 2021

MÍSTICA, MISTAGOGIA E LITURGIA: Por uma experiência mais vivencial

 O Povo de Deus – a Igreja – precisa sempre embeber-se do Mistério divino. Numa dinâmica mistagógica que possibilita sentir o sabor da fé e da vida nas celebrações litúrgicas. Este é um significativo passo para não se estagnar em um conhecimento puramente teórico do Crucificado/Ressuscitado. Sendo assim, se o homem não mergulha no Mistério de Deus, ele corre o risco de não responder à sua vocação batismal: ser um em-com-por Cristo. A linguagem da liturgia é a mistagogia! É um método condutor, vivo e dinâmico, que não deixa a espiritualidade da assembleia se embotar, nem perder seu brilho teológico e litúrgico.

Paralelamente, nota-se na atual conjuntura eclesial um ‘sentimento coletivo’ de “cansaço”. Muitas lideranças e agentes de pastorais se queixam da participação dos fiéis nas atividades comunitárias. Por muitas vezes, a assembleia se apresenta como “fria” e sem expressão ativa. Assim, os projetos não caminham, os membros de pastorais e movimentos conservam suas estruturas e não apresentam perspectivas de novas ações.

Direcionando um pouco mais o olhar em alguns aspectos da realidade eclesial, nota-se que também há ministros ordenados e coordenadores de pastorais/comunidades com sede e ânsia no trabalho paroquial/comunitário. Isso é louvável! No entanto, em contra partida, nestes intentos não há mística e nem mistagogia na espiritualidade. Sendo que, muitos são os carismas dentro da comunidade, mas sem a espiritualidade – que é o próprio Jesus Cristo – o carisma não se sustenta.

Wellistony (2013) apresenta uma questão pertinente frente a tudo isso: Os padres – e acrescento: os líderes e agentes de pastorais – precisam ser “místicos”. Atualmente, muitos leigos estão “avançando para águas mais profundas”. Estão procurando crescer e aprofundar a dimensão espiritual da vida. Enquanto isso, os responsáveis pelas comunidades estão ficando à margem vendo os “barcos” se distanciarem. Uma vez distantes, como novamente se aproximar quando se está em ‘alto mar’?!

Existem leigos sedentos, mas convém ressaltar que também há aqueles que não assumem um compromisso na comunidade. Muitos são os ministros ativos e conscientes, mas em contra partida, existem aqueles que entraram no modismo do “cansaço”. E estes, por sua vez, são um grupo significante. Não se justifica, mas, como exigir da comunidade se as próprias lideranças não experimentam o Mistério!? Como falar do Mistério se os próprios ministros não o vivencia?!

Karl Rahner parece estar certo quando afirmou que “no futuro o cristão ou será místico ou não será cristão”. Mas isso não exime a responsabilidade do leigo em agir de modo ativo, pleno e consciente sua própria vocação batismal. Se antes do Vaticano II os fiéis não participavam ativamente da divina liturgia porque o rito era em latim, era muito diferente da cultura local, porque o ministro se colocava distante do povo... E hoje, por que será?

Viver o Mistério também é acreditar em uma “liturgia contemplativa”, onde o interior dos fiéis se expressam na voz da assembleia. Acredito que quando os fiéis pedem uma missa diferente e animada, não é exatamente isso que querem dizer. Porque podem até celebrar uma missa ‘bem animada’ cheia de firulas, no entanto, provavelmente no próximo mês estarão pedindo outra coisa diferente... Quando os fiéis pedem algo assim, somente estão usando da linguagem que está ao seu alcance. Mas, na verdade, o que querem dizer é que faltam às celebrações um caráter místico e mistagógico, faltam sabor e vivacidade. A perfeita liturgia é só no Céu! Mas, quem disse que aqui na terra, em nossas celebrações litúrgicas, não podemos sentir o perfume do Céu?!

A intimidade pessoal com Deus gera na liturgia uma experiência coletiva que se manifestará na escuta da Palavra, no silêncio, nos cantos, na Eucaristia, na oração e na partilha. É preciso resgatar uma experiência pessoal na liturgia, longe do intimismo e do subjetivismo, propagado pelo materialismo e o secularismo do mundo. A mística não subtrai a ação, pelo contrário, quanto mais contemplativo for o fiel, mais eficaz será sua ação no seio eclesial.

Wallison Rodrigues

ATUALIZADA EM 25 MAR 2019

http://www.a12.com/redacaoa12/musica/mistica-mistagogia-e-liturgia-por-uma-experiencia-mais-vivencial

sexta-feira, 2 de abril de 2021

A História do Sábado Santo

 • O Sábado da Semana Santa, assim como a Sexta-feira, sempre foi considerado um dia alitúrgico. Neste dia a Igreja está em luto pela morte do Senhor, contemplando junto ao sepulcro o mistério da descida de Cristo à mansão dos mortos. Pela manhã se celebrava com os catecúmenos um rito preparatório ao Batismo e, à noite, a comunidade cristã se reunia para celebrar aquela que é considerada a mãe de todas as vigílias: a Vigília Pascal na Noite Santa.

• A Vigília Pascal inicialmente começava na noite do Sábado e só terminava ao nascer do Sol no Domingo, como atestado pelas Constituições Apostólicas do século IV. Por isso, a Missa celebrada no final da Vigília sempre foi considerada a própria Missa da Páscoa. Contudo, para favorecer a participação dos fieis, a Vigília foi sendo gradativamente antecipada ao longo dos séculos para a tarde e até mesmo para a manhã do sábado. Pio XII, em 1955, devolveu à Vigília o seu caráter noturno original.

• No início da Igreja se estabeleceu o número de doze leituras para esta Vigília, número este que sofreu várias oscilações ao longo dos século. Algumas leituras, a fim de expressar a universalidade da Igreja, eram lidas em língua grega. O elenco das leituras servia como preparação dos catecúmenos ao Batismo e, aos já batizados, de recordação da graça recebida no Batismo. Às leituras foram acrescidas orações e, posteriormente, salmos e cânticos.

• É igualmente muito antiga na celebração desta Vigília a bênção da fonte batismal, seguida da administração do Batismo aos catecúmenos. Segundo alguns autores, tal prática remonta ao Período Apostólico da Igreja. A fórmula para a bênção da água seguia a fórmula proposta por Tertuliano e ampliada por Santo Ambrósio (séc. IV): exorcismo (eliminação da influência demoníaca) e santificação ou epiclese (invocação da Santíssima Trindade). Ao longo dos séculos foram acrescidos a esta bênção vários sinais: sinal da cruz sobre a água, imersão do círio pascal e infusão dos santos óleos dos catecúmenos e do crisma.

• Terminadas as leituras, o bispo dirigia-se com os catecúmenos à fonte batismal, comumente fora da igreja. Enquanto isso, o povo permanecia na igreja, entoando repetidamente a Ladainha de Todos os Santos até que terminasse a bênção da fonte batismal e a administração do Batismo. Quando o bispo regressava com os neófitos já vestidos de branco, próximo da meia noite, entoava o Kyrie eleyson (Senhor, tende piedade de nós) e começava a Missa de Páscoa.

• Ao longo dos séculos outros elementos foram sendo acrescidos à Vigília Pascal, como a bênção do fogo novo. A princípio, acendia-se uma fogueira antes dos ofícios noturnos para iluminar o ambiente. Pouco a pouco, este gesto prático ganhou um significado litúrgico ligado à Ressurreição do Senhor, que é a verdadeira luz de nossa vida.

• A princípio as luzes da igreja e até mesmo das casas dos fieis eram apagadas durante a Sexta-feira, no chamado Ofício das Trevas. Para a celebração da Vigília Pascal, o fogo era novamente aceso pela fricção de uma pedra, símbolo de Cristo, pedra angular. Os fieis levavam pedaços de lenha para alimentar a fogueira feita no átrio da igreja e, terminada a Vigília, levavam novamente para suas casas estes pedaços de lenha acesos no fogo novo.

• Em Roma, a partir do século XII, são compostas orações de bênção da fogueira. Igualmente é composto nesta época um formulário para a bênção de cinco grãos de incenso, alusão às cinco chagas de Cristo, que são fixados no círio pascal em forma de cruz.

• Quanto ao círio pascal, era inicialmente um candelabro com três velas (trikyrion), símbolo da Santíssima Trindade, que eram acesas sucessivamente pelo diácono ao canto do Lumen Christi (Eis a luz de Cristo). Posteriormente, eram apresentados dois círios: um colocado junto ao altar, outro junto à pia batismal. Finalmente o círio foi reduzido a uma só vela, mas que se destacava pelo tamanho e decoração artística.

• O círio, símbolo do Cristo luz do mundo, era inicialmente abençoado por um diácono pois, na Igreja primitiva, cabia aos diáconos a responsabilidade pela iluminação da igreja. Por isso, na liturgia romana do século VIII era o primeiro em dignidade entre os diáconos (arquidiácono) que abençoava o círio, marcando nele uma cruz e acendendo-o no fogo novo. Seguia-se a tríplice aclamação “Lumen Christi” e o canto do Exultet, que remonta ao século V mas que só popularizou-se em Roma no século XI.

• Contudo, o uso dos diáconos abençoarem o círio foi reprovado por São Jerônimo (séc. IV), uma vez que foram constatados muitos abusos. Com efeito, vários diáconos alteravam o texto do Exultet, acrescentando-lhe versos improvisados e mesmo copiados de textos pagãos.

• Igualmente, até o século X, o círio pascal acabada a Vigília era fragmentado e cada fiel levava um pedaço de cera para casa. Apenas na Idade Média iniciou-se o costume de conservar o círio até a solenidade da Ascensão, quando então era derretido e transformado em medalhões de cera, que eram distribuídos entre os fieis.

• Após o rito da luz, da proclamação da Palavra de Deus e da administração do Batismo, iniciava-se a Missa da Páscoa propriamente dita. Até o século XI, este era o único dia do ano em que o presbítero podia cantar o Glória, que nas demais ocasiões era restrito ao bispo. Este canto do Glória, segundo o costume da Inglaterra, era acompanhado pelo toque festivo dos sinos.

• A Vigília Pascal desenvolve-se em quatro momentos que progressivamente vão inserindo-nos no mistério da Ressurreição: a Liturgia da Luz, a Liturgia da Palavra, a Liturgia Batismal e a Liturgia Eucarística. Tais ritos devem ser vistos em perfeita unidade, culminando na celebração da Eucaristia, que torna o Cristo Ressuscitado verdadeiramente presente no meio de nós.

• O primeiro momento da Vigília Pascal é a Liturgia da Luz. Este rito recorda-nos que Cristo é a luz do mundo e que, com sua Ressurreição, comunica-nos esta luz. O círio pascal é o sinal de Cristo, luz que vence as trevas e ilumina os nossos corações. O círio que guia a procissão dos fieis para dentro da igreja é, ao mesmo tempo, sinal da coluna de fogo que guiou o povo de Israel na saída do Egito (Antiga Páscoa) e de Cristo que, com sua Ressurreição, guia-nos à vida eterna (Nova Páscoa). A Liturgia da Luz encerra-se com o canto do Precônio Pascal, antiquíssimo hino que exalta as maravilhas operadas por Deus ao longo da história da salvação e que culminaram na noite da Páscoa de Cristo.

• Esta proclamação da ação de Deus na história da salvação é continuada na Liturgia da Palavra. O elenco de leituras proposto nesta celebração quer conduzir-nos ao longo de toda a história da salvação, a fim de compreendermos que todas as obras de Deus em favor de seu povo culminaram na ação salvífica operada por Jesus Cristo em sua Morte e Ressureição.

• Para esta celebração propõem-se nove leituras, sete do Antigo Testamento e duas do Novo. Por razões pastorais, podem-se omitir algumas leituras do Antigo Testamento. Considere-se, porém, que proclamação da Palavra de Deus é um elemento central nesta Vigília, o que é evidenciado pelo cântico de salmos e pela recitação das orações que seguem as leituras.

• A terceira parte da Vigília é a Liturgia Batismal. São Paulo apresenta-nos a teologia do Batismo como imersão na Morte de Cristo e recepção de uma nova vida em sua Ressurreição. Assim, desde o início da Igreja o Batismo é considerado o “sacramento pascal”, “sacramento da ressurreição”.

• O centro deste rito é a fonte batismal, de onde será abençoada a água para a administração deste sacramento. A água, sob a qual é invocada a força do Espírito Santo, aparece em toda a história da salvação como sinal da graça de Deus, que renova e santifica.

• Onde for possível, nesta celebração administrem-se os Sacramentos da Iniciação Cristã (Batismo, Confirmação e Eucaristia) aos catecúmenos, que se prepararam durante todo o período quaresmal. A Vigília Pascal é o momento mais adequado para receber tais sacramentos, os quais configuram-nos ao Cristo Morto e Ressuscitado.

• Os que professaram sua - Período Pascal fé são chamados a tomar parte na quarta parte da Vigília Pascal: a Liturgia Eucarística. Com efeito, tudo o que a Igreja celebra ao longo de todo o ano converge para esta Eucaristia e dela recebe sua força. Esta Celebração Eucarística é o primeiro momento do dia da Ressurreição, a grande ação de graças ao Pai por nos ter dado Cristo morto e ressuscitado.

• A celebração da Eucaristia torna o Cristo Ressuscitado presente no meio de nós. Já não é mais o Cristo que oferece a si mesmo por nós, mas somos nós que renovamos juntamente com Ele sua entrega e glorificação.

Fonte: http://www.ipascomnet.com/paroquia/inc.download/09042014093348FORMACAO_LITURGICA.PDF